“(os proles) eram oprimidos pelos capitalistas, tinham sido chicoteados e submetidos à fome, as mulheres forçadas a trabalhar nas minas de carvão, as crianças vendidas às fábricas com a idade de seis anos. (...) os proles eram naturalmente inferiores, que deveriam ficar em sujeição, como animais, pela aplicação de algumas regras simples. Pouquíssimo se sabia a respeito dos proles. Não era necessário saber muito. Contanto que continuassem a trabalhar e se reproduzir não tinham importância suas outras atividades. Abandonados a si mesmos, como gado solto nas planuras argentinas, haviam regressado a um modo de vida que lhes parecia natural, uma espécie de tradição ancestral. Nasciam, cresciam nas sarjetas, iam para o trabalho aos doze, atravessavam um breve período de floração da beleza sexual, casavam-se aos vinte, atingiam a maturidade aos trinta, e em geral morriam aos 60. O trabalho físico pesado, o trato da casa e dos filhos, as briguinhas com a vizinhança, o cinema, o futebol, a cerveja e, acima de tudo, o jogo, enchiam-lhe os horizontes. Mantê-los sob controle não era difícil (...) Não era desejável que os proles tivessem sentimentos políticos definidos. Tudo o que lhes exigia era uma espécie de patriotismo primitivo ao qual se podia apelar sempre que fosse necessário levá-los a aceitar ações menores ou maior expediente de trabalho (...) Havia enorme criminalidade em Londres, todo um mundo subterrâneo de ladrões, bandidos, prostitutas, vendedores de narcóticos e contraventores de todo o tipo; mas como tudo se passava entre os próprios proles, não tinha importância. (...) A promiscuidade não era punida; e o divórcio era permitido. Nesse particular, até a adoração religiosa teria sido permitida se os proles demonstrassem algum sintoma de deseja-la ou dela carecerem (...) Como dizia o lema do partido: “Os proles e os animais são livres”.
Mil Novecentos e Oitenta e Quatro (1984) – George Orwell, pg. 70/71
O livro publicado em 1948 retrata a sociedade britânica no ano de 1984, uma sociedade reprimida pelo totalitarismo, que desconhece a democracia, têm os pensamentos e até o passado controlado pelo Estado, não têm cultura, nem privacidade, onde “liberdade é escravidão”.
Impressionante como esse fragmento, quase como um presságio, revela características bem familiares pra todos nós. Felizmente, creio eu, você leitor não se encaixa nesse perfil (dos proles).
Mas é inegável que a grande maioria dos brasileiros se assemelhem a essa descrição. Em um país que se orgulha da multiplicidade de raças, da liberdade de expressão, da alegria de seu povo que camufla a verdadeira omissão do Estado. Omissão e manipulação de uma massa de ignorantes, de necessitados... Um Estado que inutiliza por séculos uma nação, sem forças mínimas pra mudar o rumo de suas vidas.
A capacidade de um livro com mais de 50 anos nos ser útil nos "novos tempos", e poder ainda gerar especulações e reflexões sobre nossas vidas, só poderia mesmo ser encontrada em um grande clássico. E mesmo com toda essa onda de comparações, sobre a sociedade e más ações do Estado, me dando a sensação de ser mais um inútil que nada pode fazer para reverte-las... é um prazer ler um clássico. E sempre há de ser.